Ouça enquanto lê |
Você me perguntou porque eu havia parado de escrever sobre
as coisas que sinto. Arregalei os olhos como se estivesse surpresa. Aquela era
uma questão recorrente, de fato, mas eu não achei que estivesse tão óbvio
assim. Dei de ombros e disse em outras palavras que a culpa era da sua falta de
interesse. Quero dizer, textos como esse continuaram nascendo na minha mente
durante todas as noites de insônia. Estou absolutamente familiarizada com as
incógnitas que preenchem esses parágrafos, mas cansei do drama. Não quero mais
impressionar ninguém. Nem o espelho.
Te culpo um pouco por ter roubado minha intensidade
corriqueira. Mas são tantas fases e depois de você foram tantos chefões
quase invencíveis. A tal da inocência a gente perde com a vida e as lições
do cotidiano nos ensinam a preservar o tempo que sobra. Foi assim que
me dei conta de que às vezes é mais fácil simplesmente deixar a dor na
forma mais bruta. Sem críticos ou curiosos que opinam sobre as escolhas que fiz
e a profundidade das cicatrizes que ficam.
Algumas coisas ainda me assustam e não sei se vai fazer
sentido dizendo assim, mas elas é que me fazem lembrar de você. Será que ainda
compartilhamos da mesma estranheza do mundo ou nos transformamos em velocidades
tão diferentes ao ponto de nos estranharmos? Talvez eu nunca descubra.
Das vontades que tive, a única que sobreviveu ao tempo é a
de dizer um monte de besteira sem ter certeza e não me importar com as
consequências, como costumava ser nos intervalos das aulas de sociologia no
caminho até a cantina. Você parecia me conhecer tão bem ao ponto de não me
levar tão a sério o tempo todo. Ouvia minhas teorias e pedia bis. Nunca mais
encontrei alguém que fizesse isso tão bem.
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