Ouça enquanto lê |
-Então? Vamos? Me dá um pedaço de papel e uma caneta.
-Ok. Vou pegar, pera ai.
A única coisa parecida que eu achei foi um bloquinho de
notas do Batman. O que ela pensaria de um marmanjo de vinte anos de idade que
usava um calção desbotado até os joelhos e chinelo havaianas, tinha a barba
mal-feita, que não sabia fazer café (mas que na verdade sabia sim) e…gostava de
desenho animado?
Ela achou engraçado. E riu que nunca vi. Ela ficava mais sexy naquela blusinha branca com renda no decote e jeans rasgado que a Angelina Jolie de lingerie.
Ela achou engraçado. E riu que nunca vi. Ela ficava mais sexy naquela blusinha branca com renda no decote e jeans rasgado que a Angelina Jolie de lingerie.
Nunca caprichei tanto na caligrafia. Desenhei cada letra com
a maior vontade do mundo de aquilo ficar legal. Mas nunca parei pra pensar nas
coisas que gostava. Eu gostava um pouco de tudo. Ficava difícil escolher. Coloquei
só os mais comuns.
Ela me pareceu meio indecisa. Rabiscava e riscava o tempo
todo, nunca vi.
-Terminou?
-Terminei.
-Beleza. Faz assim: me
entrega o seu que eu te entrego o meu, tá?
-Tá. No três.
-1…2..— ela interrompeu a
contagem e puxou o papel da minha mão e jogou o dela em cima de mim — tava
demorando muito.
Os dois rimos. Antes de
ler o que ela havia escrito, fiquei observando a reação dela ao ler minha
lista.
-“Reggae, Natiruts, Angelina
Jolie, biscoitos, números pares, Analua, ruivas, Batman”
Ela sorriu em silêncio.
Me senti aliviado e não consegui conter um sorriso também. Resolvi ler a lista
dela.
“-Desenhos animados, Los
Hermanos, havaianas, Anna Júlia, guitar Hero, estranhos, Batman .
-Ei! - Sei que era uma
proposta meio idiota, mas ela ia gostar.
-Diz, estranho.
-Tenho uma coisa pra
você, já volto!
-O que? O que que é?
- É surpresa! - Ela me
olhava feliz. F-E-L-I-Z, com todas as letras. Deu pra ver.
Um amigo meu uma vez tentou me ensinar a jogar esse tal de
Guitar Hero. Odiei. Me estressei. Não tinha coordenação motora suficiente pra
isso. Meus dedos nunca pressionavam a tecla certa e eu nunca acertava o tempo.
Desisti. Eu tinha lá em casa um “quartinho da bagunça”. Guardava toda e qualquer
tranqueira lá dentro. Esse amigo meu acabou deixando o Guitar Hero dele lá em
casa e eu, já completamente cansado daquela coisa, joguei lá dentro do
quartinho e esqueci que aquilo existia. Muita sorte. Acabei encontrando a
“coisa” dentro duma caixa e tava tudo lá certinho. Nada faltando.
Ela balançava a perna daquele jeito que todo mundo faz
quando tá ansioso. Me senti importante. Coloquei a caixa no colo dela e pedi
que abrisse. Ela gargalhou. Foi lindo.
-Não acredito — ela
disse, ainda sorrindo. Eu não conseguia parar de olhar. — Sério mesmo?
-Sério — ri. Ela era tão
ingênua rindo que parecia uma criança ganhando a primeira bicicleta.
-Tá querendo me
conquistar, é?
-Algo me diz que eu já
consegui.
-Xoxo! Nem chegou perto.
- Preciso confessar uma coisa. Nunca
amei tanto a sensação de ingenuidade. Eu era tão ingênuo perto dela que cheguei
a achar que fosse uma pessoa apaixonável.
Conectei os cabos à tevê
e depois de dez minutos tentando encontrar o menu, decidi que a melhor coisa a
fazer era esquecer a cultura do cavalheirismo e pedir que ela arrumasse aquela
coisa.
-É assim mesmo? Tem
certeza?
-É, sim. Deixa eu
arrumar. Sei o que tô fazendo.
Sei que ela sabia. Depois de algum tempo percebi que ela
sempre sabia. Sabia que me torturava quando sorria pra mim, sabia que o jeito
como caminhava, se vestia e até como se mexia despertavam em mim aquela coisa
ridícula de amor platônico.
Aquilo de achar que tudo que o outro faz é uma pista ou um
sinal. E o melhor de tudo? Era. Uns anos depois eu descobri que até a
caligrafia dos bilhetinhos que ela grudava na geladeira era de propósito. Ela
conseguia colocar um pouco da sensualidade ingênua dela em casa coisa.
-Tá. Faz aí.
-Pronto, senta aí.
Me sentei no sofá maior e
ela sentou do meu lado de forma que as nossas pernas e os braços ficaram
grudados. Preferi pensar que foi de propósito.
-Antes de começar — eu
juro que tava curioso — posso perguntar uma coisa?
-Pode.”
-Quem é Anna Julia?
Ela riu. E dessa vez ela
riu de mim. Mas não num tom de deboche, ela não era desse tipo. Ela riu num
jeito de quem tava adorando tudo aquilo. Ela riu num jeito de que tava
apaixonada pela forma como eu era ingênuo perto dela.
-É uma música.
-Uma música?
-É, uai. Igual Analua não
é uma música?
-Sim, do Armandinho.
-Então.
-Mas é Analua, e não Anna
Júlia!
-Não acredito! Nunca
ouviu? Todo mundo já ouviu...
-Ouvi o que??
-Nunca acreditei na ilusão, de ter você pra mim… — ela
começou a cantarolar — me atormenta a previsão do nosso destino; eu passando o
dia a te esperar; você sem me notar…quando tudo tiver fim, você vai estar com
um caraaaaaaa, um alguém sem carinhooooooo, será sempre um espinhooooo, dentro
do meu coooo-raaaaaaa-çãaaaaaao — ela deu uma pausa e me encarou nesse meio
tempo. Mas dessa vez me olhou mais que dentro dos olhos. Ela me viu. — ô Anna
Juliaaaaaaaaaaaaaaaaa — ela levantou num pulo e usou a mão como um microfone
pra cantar o refrão.
Acho que nunca ri tanto. Doía tudo: pernas, estômago,
bochechas. Eu quase soube o que significava “morrer de rir”. Ela terminou a
performance e eu bati palmas, ainda rindo. Ela gargalhava de perder o ar e essa
foi a cena mais linda do mundo.
Ela ria tanto que mal conseguia se manter de pé. Veio
tropeçando, se sentou no braço do sofá e foi descendo de costas até cair com a
cabeça no meu colo. Ela fechou os olhos e apoiou a mão nas costelas, respirando
devagar.
Pensei, por um segundo, em beijar a testa dela. Sei lá, me
deu uma vontade enorme. Mas ela acabou abrindo os olhos e levantando antes de
eu criar coragem. Ela se sentou de novo e segurou meu pulso, procurando por um
relógio.
-São 18:25. - Sei que é
meio esquisito, mas me senti feliz por ela ter ficado desapontada.
-E daí?
-Tenho que levar o Brutus
no parque.
-Ah…Tudo bem.
-Mesmo?
-Mesmo.
Ela se levantou, calçou
os chinelos e foi em direção à porta. Me apressei em levantar e abrir a porta
pra ela.
-Senhorita. Fiz
reverência e ela correspondeu
-Cavalheiro.
Ela saiu e eu não resisti.
-O Guitar Hero fica pra
amanhã?
-Claro!
-Ah! E mais uma coisa…Não
te deixo sair até confessar que está apaixonada por mim.
Aí o amor da minha vida
riu e subiu as escadas. Eu não gostava de café com gelo, Guitar Hero ou Anna
Julia, juro. Aí eu comecei a gostar de números pares.
Muito bom! enquanto lia eu vi toda a cena rsrs. Amei
ResponderExcluirhttp://garotadosuburbio.blogspot.com.br/
Que lindo. Adorei! Vc escreve muito bem, parabéns!
ResponderExcluirwww.sabiapoetisa.com
Uma leitura agradável. Muito bom mesmo, parabéns.
ResponderExcluirBeijos
http://clicf.blogspot.com.br/2014/06/resenha-paleta-da-koloss-luxurious.html