Ouça enquanto lê |
Quarta-Feira, 29 de março, 17:50 da tarde. Eu não conseguia
parar de olhar o relógio. Resolvi pegar um livro. Folheei umas páginas, li umas
duas ou três frases e me lembrei que nem tinha prestado atenção no nome do
livro...
Quatro batidas. Levantei da poltrona num pulo, larguei o
livro que caiu no chão e sei lá mais o que eu derrubei. Tropecei nos meus
próprios pés umas quantas vezes até chegar à porta. Me apoiei na maçaneta e não
consegui puxar a porta sem fazer um barulho estrondoso que entregasse meu
nervosismo. Masss, tô nem aí.
-Oi de novo
Ela não parava de sorrir.
Pensei que talvez tivesse gostado de mim. Tomara.
-Cheguei na hora errada?
-Hora errada? Não. Não! Não…chegou
na hora de entrar.
Ela riu de novo. Que diabos tu quer comigo,
guria? Vai parar com isso não? Já tá virando sacanagem.
-Vou parecer muito
oferecida se aceitar o convite?
-Não mais do que eu quero
que seja. — Eu ri também. Foi uma sensação esquisita ela ter gostado da piada.
-Onde é que eu coloco
isso aqui?
-Deixa no braço da
poltrona mesmo. A gente vai acabar comendo durante a conversa.
-Ah, é? E vamos conversar
sobre o quê?
-Sei lá, uai.
Eu juro que fiquei
olhando pra ela por uns cinco minutos até que resolvi me pronunciar. O silêncio
tava me matando.
-Aceita, sei lá, um
refrigerante?
-Não tomo refrigerante…
-Chá? Café? Água?
-Café, pode ser.
-Então tu vai ter que
fazer porque eu não sei. — Rimos.
-Tem pó?
-Tem, sim.
E se eu te disser que
sabia fazer café? Sempre soube. Sei lá, só pensei que ela acharia engraçado.
Funcionou.
-Posso pegar gelo?
-An? Gelo?
-Gelo. Posso?
-Claro, mas gelo pra quê?
-Café, uai. Não gosta?
-Hmm, na verdade não. Não
que eu saiba.
-Já provou?
-Não me parece nada
legal.
-Prova aqui.
Ela jogou as pedras de
gelo na xícara e estendeu-a pra mim de forma que quase passei a respirar café.
-Não, tô de boa. Pode
tomar seu café aí.
Ela riu de novo. Puta
merda.
-Prova logo, estranho.
Ela estendeu a xícara de novo e eu
quase que me senti obrigado pela minha própria vontade a engolir aquilo. Mas
cara, era horrível. Hor rí vel. Eu gostei.
-Até que é bom, estranha.
-Hm, sei. Essa cara aí de
quem gostou. Imagina se não tivesse gostado. –Ela falou aquilo dando a maior
risada da minha cara.
Ela se apoiou de costas na pia e eu
me apoiei do lado.
-E aí, o que tava lendo?
-Eu?
-Você.
-Nada, por quê?
-Vi um livro no chão da
sala. Deu vontade de pegar, mas preferi ficar imóvel e te deixar constrangido.
-É Luís de Camões.
-Poesia! Quem diria ein!
Qual a sua favorita?
-Não cheguei a ler. Li
umas frases que juntas formariam meia página, no máximo.
Ela me encarou por uns
segundos e me puxou pela mão até o sofá. A ficha de ela ter me pegado pela mão
demorou a cair. Sentou na minha poltrona e cruzou as pernas numa daquelas
posições de borboleta de ginástica.
-E aí?
-E aí o quê?
-O que tava fazendo antes
de eu chegar?
-Ouvindo música, tomando
refrigerante... O de sempre. E você, tava fazendo o que antes de vir pra cá?
-Nada, na verdade.
Cochilando.
-Tendi...
-Ei!! Tive uma ideia. –
Quase dei um pulo.
-Fala!
-Me diz as coisas que você
gosta, que eu te digo do que gosto.
-Não dá... Tenho vergonha
de falar… - ela devia tá pensando como eu era broxante.
-Ixi! Então escreve.
-O quê?
-Escreve! Sabe escrever?
É fácil. A gente normalmente aprende isso no pré. — Não me segurei, tive que
rir. E me senti envergonhado ao mesmo tempo, ela não parava de olhar. Me senti
desconfortável e realizado ao mesmo tempo.
Sei lá, e se ela tivesse gostado de mim? E se a ruivinha dos
dedos finos e pés pequenininhos estivesse gostando de mim? Que puta sorte. Eu
ainda não tinha entendido qual o entusiasmo, mas não dava pra tirar o sorriso
da cara. Era normal, não? Alguém gostar da gente? Costumava ser normal no Ensino
Médio. No Ensino Médio, na faculdade, no trabalho, nas festas. Sempre tinha
alguém a fim.
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