domingo, 23 de março de 2014

Cadê Ana Lua? Foi tomar café com gelo!

Ouça enquanto lê
Eu não gostava de café com gelo, Guitar Hero ou Los Hermanos, juro. Aí eu comecei a gostar de números pares.

Às vezes eu saía pra caminhar na praça e ficava observando. Observava aquela senhorinha dando comida àquelas pombas nojentas, bem coisa de filme mesmo.
E tinha também aquele gordo barbudo, que sempre tava com um copo de cerveja na mão, sentado no bar do Seu Geraldo, achando que conseguia tapar sua cara rechonchuda atrás daquele jornal da semana passada, mesmo que todo mundo já soubesse que ele só ficava esperando aquela loira boasuda passar correndo, como todos os dias naquela mesma hora, com um rabo de cavalo no topo da cabeça, um shorts mais curto que o comprimento da palma da mão e sempre com fones de ouvido e música no volume máximo. Ela, tinha cara de quem curtia, sei lá, Maroon 5, U2, e se brincar até Beatles.
Tinha a minha vizinha meio metódico e pontual (aquelas coroa gente boa) que acordava todos os dias às exatas 6:14 da manhã pra passear com aquele cachorrinho fofo que ela chamava de Rex. Meio irônico, porque, a julgar pelo nome você deve tá imaginando um cachorro gigante, colossal, que mais parece um leão. Mas não, ele era tão pequeno que parecia um ratinho.  Acho que é um Beagle... Mas nunca parei pra prestar atenção nas classificações das coisas. Na verdade, muitas especificações me irritam.
Agora, voltando à minha vizinha: é, 6:14. Não 6:15, 6:14 mesmo. Ela nunca tem nada marcado em horas com minutos ímpares. Sem caô! Passei quase um mês tentando flagrar um atraso ou avanço de um minuto que fosse no toque do despertador. PÉÉN, falha. Aquela maldita musiquinha da Maria Gadu toca todos os dias às exatas 6:14 e eu não consigo acordar um minuto mais tarde há 4 meses, desde que me mudei pra cá.
O marido dela, do cabelo grisalho, que sofre um pouco de calvice, me traz biscoitos todas as quartas-feiras às pontuais 16:15 da tarde como pagamento pra eu ficar de olho em quem entra e sai do apartamento de cima, onde eles moram. Acho que ele não gosta muito de fazer isso. Ou talvez ele não goste é de mim, mas faz porque a mulher dele me adora. Tanto faz, os biscoito são uma delícia! E só pra esclarecer, ele tem fobia à compromissos em horas com minutos pares.
É, eu sei. Talvez seja só coincidência, ou talvez os clichês dos filmes sejam válidos e os opostos se atraiam e se completem mesmo. Sei lá. Como disse, não gosto de especificações, ditados, leis de newton, leis de sobrevivência ou qualquer coisa estabelecida. Nada que não mude. (O mais engraçado de tudo é que eu nem sempre tive esse pensamento. Mas ele mudou. Ainda muda.)
Aí então o marido calvo da minha vizinha simpatia e pontual resolveu mudar as coisas um pouco. Eu passei a gostar mais dele depois disso. E passei a gostar de Anna Júlia e de jogar Guitar Hero com a filha dela. E passei a gostar da filha dela. Mas isso veio depois.

Quarta-Feira, 22 de Março, 18:20 exatamente. Quatro batidas na porta.
Primeiro fato escandalosamente anormal: 18:20. Seis horas e vinte minutos da tarde. V-i-n-t-e minutos. Segundo fato escandalosamente anormal: Quatro batidas na porta. Achei mesmo estranho e, involuntariamente, fiquei esperando pela quinta. Nada. Quatro batidas. 4. Nem meia a mais. Nem 0,3 e 5 a mais. Quatro. 1, 2, 3, 4. Beleza, já deu pra entender, né? Quatro batidas.
Levantei do sofá vermelho onde tinha passado a manhã, afundado. Vista pra escada de acesso ao apê de cima. Sacaram a estratégia, né? Eu realmente gostava dos biscoitos. Mas eu nunca entendi qual a finalidade de se colocar uma janela com vista pra dentro do prédio. Beleza, sem discussões. Abri a porta.
            Juro que quase caí pra trás. Ruiva, branquinha, pequenininha, olhos verdes e dedos finos. Unhas com um esmalte descascado num tom que me parecia turquesa, ou qualquer coisa assim.
-Oi. — droga, fiz merda. Fiz merda, fiz mer —
-Oi…
-Quer alguma coisa?
-Na verdade, minha mãe me pediu pra te trazer uns biscoitos e perguntar se alguma…como é que ela diz mesmo? Se alguma promís...
-Se alguma promíscua subiu as escadas hoje?
-É, isso aí mesmo.
-Fala pra ela que não… Mas diz que uma ruivinha desceu aqui e quase me fez cuspir refrigerante quando eu abri a porta. — Que merda eu tava fazendo? Sério.
-Como?
-Nada, não. Pode dizer que não subiu ninguém.
-Não… eu ouvi o que tu disse - Droga.
-Hm…Tá a fim de entrar?
-O quê?
-Tomar alguma coisa, sei lá. Ver um filme.
Daí ela riu.
 -Não, valeu. Quem sabe outro dia. Tenho que levar o Rex pra passear agora. — Nunca ouvi um risinho tão agudo que não fosse irritante.
-Às 6:31 da tarde?
-É, uai… Por quê?
-Dezoito e trinta e um? Tem certeza?
-Sim, senhor. Algum problema?
-Não, nada…Só achei que ele gostava mais de passear de manhã.
-Ele não gosta de nada, eu é que gosto de andar à tarde.
-Ah, tendi.
-Até.
-Até – Ela já tava subindo as escadas de novo - Só uma pergunta…Você é que vai me trazer os biscoitos a partir de agora?
-Acho que sim! Algum problema? –ela parou na escada.
-Não! Nenhum! Sem problemas! — Abri um sorriso amarelo meio torto e me senti o maior idiota do mundo, e fechei a porta.

[Continua]

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