Paris — Depois de dormir algumas horas, dou uma olhada
no mapa da cidade, oferecido pelo hotel e vou até Notre Dame. Acendo
vela, rezo, fico olhando a catedral imensa no coração do Ocidente. Penso em
Joana d’Arc, heroína dos meus remotos 12 anos; no caminho de Santiago de
Compostela, do qual Notre-Dame é o ponto de partida — e em minha mãe,
professora de História que, entre tantas coisas mais, me ensinou essa paixão
pelo mundo e pelo tempo.
Naquela manhã em Notre-Dame rezei, acendi vela, pensei
coisas do passado, da fantasia e memória, depois saí a caminhar. Eu
sentia profunda falta de alguma coisa que não sabia o que era. Sabia só que
doía, doía. Sem remédio. Parei numa vitrina cheia de obras do conde
Saint-Germain, me perdi pelos bulevares da le dela Cité. Então sentei num banco
do Quai de Bourbon, de costas para o Sena, e olhei para a casa em frente, no
outro lado da rua. Na fachada estragada pelo tempo lia-se numa placa: “II y a
toujours quelque choe d’abient qui me tourmente” (Existe sempre alguma coisa
ausente que me atormenta) — frase de uma carta escrita por Camilie Claudel a
Rodín, em 1886. Daquela casa, dizia aplaca, Camille saíra direto para o
hospício, onde permaneceu até a morte. Perdida de amor, de talento e de
loucura.
Fazia frio, garoava fino sobre o Sena, daquelas garoas
tão finas que mal chegam a molhar um cigarro. Copiei a frase numa agenda. E
seja lá o que possa significar “ficar bem” dentro desse desconforto inseparável
da condição, naquele momento justo e breve — fiquei bem. Tomei um Calvados,
entrei numa galeria para ver os desenhos de Egon Schiele enquanto a frase de
Camille assentava aos poucos na cabeça. Que algo sempre nos falta — o que
chamamos de Deus, o que chamamos de amor, saúde, dinheiro, esperança ou paz.
Sentir sede, faz parte. E atormenta.
Como a vida é tecelã imprevisível, e ponto dado aqui
de vez enquando só vai ser arrematado lá na frente. Uma tarde saí a caminhar em
minha cidade, procurando na mente uma epígrafe para um texto. Por “acaso”, fui
dar na frente de um centro cultural chamado (oh!) Camille Claudel. Lembrei da
agenda antiga, fui remexer papéis. E lá estava aquela frase que eu nem lembrava
mais e era, sim, a epígrafe e síntese (quem sabe epitáfio, um dia) não só
daquele texto, mas de todos os outros que escrevi até hoje. E do que não
escrevi, mas vivi e vivo e viverei.
Alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora
doa, e em segredo.
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