Tudo bem?

Ouça enquanto lê

             "Tudo bem?" Ela perguntou depois de checar o guarda-roupa mais uma vez. Como se algum par de roupa nova fosse aparecer naquela bagunça do nada. 

E quer saber, não. Não tá nada bem aqui. E nem é só por causa do calor. É que a cada minuto eu desejo cada vez mais voltar a minha antiga vida. Meus antigos hábitos de deixar meu quarto brilhando antes de sair de casa. Ou a minha velha mania de acordar de madrugada e ficar ouvindo música na varandinha do meu quarto. De assistir ao jornal rural de manhã com meu pai na sala lá de casa. Até de quando eu inventava pesquisas de biologia pra poder ir na casa da minha tia mexer na internet. Eu sei. Você já sabe disso tudo. 

Mas acho que você não sabe que eu já tô cansada disso tudo, sabe? Cansada de ser feita de saudade e nostalgia. Presa a meu passado. Presa a pessoas que eu nunca mais vi. Presa em sonhos que ainda quero pra mim. Presa a você. Presa e salva. Porque aqui tenho mil pessoas ao redor, mas nenhuma ao lado. E sabe, já ouvi relatos de pessoas que tentaram deletar suas próprias lembranças. Aos poucos elas foram se deletando também, e não quero isso pra mim.

Cansei de textos megalomaníacos. Será que é tão difícil uma ou duas linhas que não sejam feitas sob medida pra qualquer dor que eu venha a criar? Ou a qualquer lembrança que venha de você?

 Cansei de ouvir as pessoas me dizerem o que eu tenho que fazer, ou como eu tenho que lidar com as coisas. Como se fazer fosse tão fácil quanto falar.

Meu ego virou um brinquedo. Mais falso que os que vêm do Paraguai. Um daqueles que as tias velhas dão pras crianças chatas ficarem quietas. Tipo aquelas amoebas, que você pode jogar na parede, de um prédio, tanto faz. Que você pode juntar os pedacinhos e brincar de novo e de novo, cada vez deixando o treco molenga mais sujo. Até perder a graça e guardarem na caixinha de novo.

Mais que esse brinquedo, as pessoas também perderam a graça em mim, mas me jogaram fora.